O que há do outro lado? É possível atravessar?...
Embora de formas diferentes, essas perguntas habitavam a mente de grande parte dos que viviam naquele pequeno povoado chamado “Nosso lugar”, localizado na fronteira do “País de origem”. Pode ser que algumas pessoas tenham deixado as perguntas guardadas - por preferência ou desconhecimento - em gavetas nunca abertas. Ou, ainda, que elas tenham sido adormecidas por circunstâncias diversas, até que fosse possível retomá-las e despertá-las. Mas, ainda assim, o importante é que, em algum momento, essas duas questões nasceram e deixaram suas marcas na vida de cada um daquele povoado.
Um pequeno grupo de jovens amigos, no entanto, preferia cultivar essas perguntas a cada encontro, sempre nas melhores hortas da imaginação de cada um. Respeito, Coragem, Medo, Acerto, Erro e Gentileza se conheceram na escola, ainda na infância. Eram um sexteto inseparável. As famílias sempre foram amigas e, essa proximidade, fez com que os laços de afeição surgissem entre os filhos de maneira espontânea e genuína.
Certo dia, o sonho compartilhado pelos seis, e alimentado por aquelas duas perguntas de que já falamos, se tornou irresistível. O ponta-pé de que os amigos precisavam foi dado em uma tarde de domingo, em que eles andavam pela região que separava “ País de Origem” de “Próxima Nação”. Uma ponte longa e fina, feita de madeira e corda, dividia e unia os dois lugares. Embaixo dela, um grande vale.
Não havia qualquer barreira impedindo a passagem e a travessia. Só uma pequena e velha placa onde se lia em tinta gasta “Cuidado. Perigo.” Apesar da falta de impedimento, ninguém se arriscava. A área estava sempre deserta e talvez isso conferisse a ela ares melancólicos ou mais ameaçadores do que de fato possuía. Era estranho pensar na falta de uso da ponte. Afinal, se ela havia sido construída, alguém já tinha compartilhado daquele mesmo sonho de atravessar. Alguém já tinha feito aquilo antes. A ponte não estava ali por acaso.
Talvez tenha sido esse o raciocínio que fez os seis amigos decidirem pela tentativa de chegar ao outro lado. Precisaram de algum tempo pra se preparar: essa etapa durou três meses e foi feita em silêncio. No dia da partida, cada família recebeu apenas um pequeno, mas completo bilhete: “Fui buscar o meu sonho. Amo vocês!”
Na hora marcada lá estavam eles, os seis, diante da pequena entrada da ponte. Eles sabiam que não seria simples atravessar. Temiam que a velha estrutura de madeira não aguentasse. Traziam mochilas pesadas, com corda, roupas, comida. Não sabiam ao certo do que precisariam e nem quanto tempo levariam para cruzar aquele longo caminho e explorar a “Próxima Nação”.
- Como faremos? Quem vai primeiro? – perguntou Gentileza.
- Eu vou! - Respondeu Coragem. - Não é tão difícil assim…
- Tem certeza? Da última vez que você disse isso voltou pra casa com o braço quebrado! – A memória de Erro chegava a ser desagradável, de tão pontual e infalível. Às vezes irritava a insistência que ele tinha em lembrar.
- Tenho. – Retrucou Coragem, sem se abater pelas lembranças do amigo.
- Eu vou! - Respondeu Coragem. - Não é tão difícil assim…
- Tem certeza? Da última vez que você disse isso voltou pra casa com o braço quebrado! – A memória de Erro chegava a ser desagradável, de tão pontual e infalível. Às vezes irritava a insistência que ele tinha em lembrar.
- Tenho. – Retrucou Coragem, sem se abater pelas lembranças do amigo.
E assim foi ela, uma adolescente jovem e corpulenta, vistosa, com os cabelos lisos e claros que escorriam pelas costas até a cintura. Era dona de uma pele morena-avermelhada e de um sorriso largo e alinhado.
Coragem segurou as cordas que formavam uma espécie de corrimão ao longo da estreita ponte e, ágil e ávida por se aventurar, como era, se pôs a caminhar. Rápido demais. As cordas entrelaçadas na madeira fixavam o material, mas não deixavam a estrutura rígida o suficiente.
Era preciso força e cautela para manter o equilíbrio. Coragem se desequilibrou e por pouco não caiu. Voltou ao encontro dos amigos na entrada na ponte, sob as já esperadas gozações de Erro:
- Eu sabia que não ia dar certo!
- Por que não vai você então? Vá na frente e nos mostre como é! – Desafiou Coragem, enquanto Erro ria, sentado no chão.
- Medo?! Você acha que pode tentar agora? – perguntou Gentileza
- Não vou conseguir – respondeu Medo em completo pânico.
- Eu quero tentar de novo! – Disse Coragem. – Mas preciso de alguns minutos pra me recuperar do susto. Medo, não caminhe tão rápido como eu fiz. Vá! Você consegue!
- Por que não vai você então? Vá na frente e nos mostre como é! – Desafiou Coragem, enquanto Erro ria, sentado no chão.
- Medo?! Você acha que pode tentar agora? – perguntou Gentileza
- Não vou conseguir – respondeu Medo em completo pânico.
- Eu quero tentar de novo! – Disse Coragem. – Mas preciso de alguns minutos pra me recuperar do susto. Medo, não caminhe tão rápido como eu fiz. Vá! Você consegue!
Medo se dirigiu à entrada da ponte. Era visível o esforço que ele estava fazendo para estar ali. Mas era um sonho. Ele precisava tentar.
Medo era um menino tímido e cabisbaixo. Falava pouco, nunca se metia em discussões ou disputas na escola. Alguns o tratavam como uma pessoa covarde. Não era. Ele apenas ainda não tinha descoberto do que era capaz.
Medo se posicionou na frente da ponte, agarrando firme as cordas dos dois lados. Também tinha uma corda amarrada na cintura e em poder dos amigos Gentileza e Respeito, para caso ele precisasse. Mas Medo não saiu do lugar, simplesmente porque não conseguia olhar pra frente.
- Medo, você sabe que pode atravessar. Basta olhar pra frente e ir devagar, no seu tempo. – Incentivou Acerto.
- Não, eu não posso. Não sou bom nessas coisas. Vocês sabem… Desculpem, mas eu não posso. Vocês podem prosseguir sem mim.
- Não, eu não posso. Não sou bom nessas coisas. Vocês sabem… Desculpem, mas eu não posso. Vocês podem prosseguir sem mim.
E ele voltou. Momentaneamente derrotado pela força enorme de uma palavra tão pequena: “não”.
- Quem vai tentar agora? – Perguntou Gentileza.
Foi então que Respeito, que até então ouvia e observava tudo em silêncio, resolveu se manifestar. Ele era um homem simples, pacífico, cativante. Sempre com um sorriso no rosto, era impossível não gostar dele.
- Acho que precisamos rever a nossa estratégia!
- Acha que devemos desistir? - Indagou Acerto completamente desapontado. Ele ainda não tinha tido a própria tentativa. Queria fazê-lo! Queria atravessar!
- Não estou falando em desistir, mas acho que, desse jeito, estamos perdendo o nosso propósito.
- Você pode explicar um pouco melhor? – pediu Gentileza
- A ideia não era fazermos isso juntos? Esse não é um sonho de um, mas de seis. De que adianta chegarmos ao outro lado se alguém de nós ficar pra trás?
- Acha que devemos desistir? - Indagou Acerto completamente desapontado. Ele ainda não tinha tido a própria tentativa. Queria fazê-lo! Queria atravessar!
- Não estou falando em desistir, mas acho que, desse jeito, estamos perdendo o nosso propósito.
- Você pode explicar um pouco melhor? – pediu Gentileza
- A ideia não era fazermos isso juntos? Esse não é um sonho de um, mas de seis. De que adianta chegarmos ao outro lado se alguém de nós ficar pra trás?
Os seis amigos se entreolharam e isso bastou para reconhecerem que alguma peça estava fora do lugar. E eles sabiam o que era:
- E se atravessarmos todos ao mesmo tempo? – Eles disseram quase que em uníssono, com os olhos se iluminando, como quem faz uma descoberta.
- Isso! – Exclamou Respeito afirmativamente. - Alguém tem alguma sugestão sobre como fazer?
- Pelas nossas experiências anteriores, sugiro que o Respeito vá na frente, abrindo caminho. – Sugeriu Acerto. – Todos concordam?
- Eu posso vir em seguida, de mãos dadas com o medo. – Disse Coragem.
- Eu concordo – Respondeu Medo.
- Erro?! – Chamou o Acerto. – Você acha que consegue me carregar nas costas? Assim podemos garantir uma visão geral do grupo e antecipar possíveis problemas.
- Perfeitamente. – Respondeu Erro.
- E, se vocês não se importarem, posso me revezar ocupando lugares variados entre vocês. Acerto, procure me abastecer de informações porque, assim, caso alguém precise de ajuda, eu estarei pronta a colaborar. – Pediu Gentileza.
- Isso! – Exclamou Respeito afirmativamente. - Alguém tem alguma sugestão sobre como fazer?
- Pelas nossas experiências anteriores, sugiro que o Respeito vá na frente, abrindo caminho. – Sugeriu Acerto. – Todos concordam?
- Eu posso vir em seguida, de mãos dadas com o medo. – Disse Coragem.
- Eu concordo – Respondeu Medo.
- Erro?! – Chamou o Acerto. – Você acha que consegue me carregar nas costas? Assim podemos garantir uma visão geral do grupo e antecipar possíveis problemas.
- Perfeitamente. – Respondeu Erro.
- E, se vocês não se importarem, posso me revezar ocupando lugares variados entre vocês. Acerto, procure me abastecer de informações porque, assim, caso alguém precise de ajuda, eu estarei pronta a colaborar. – Pediu Gentileza.
E assim foram os seis. Respeito, Coragem, Medo, Erro, Acerto e Gentileza. Nos ombros do Erro, o Acerto ganhara um brilho novo. Ao contrário do Erro - uma figura forte e marcante - o Acerto era delicado e simples. Gostava de se planejar, era metódico, alegre. Andava sempre com o Erro, seu melhor amigo e, juntos, podiam exercitar a melhor versão de cada um. Gentileza era uma mulher rara: doce, amigável, esperançosa. Vendo assim, de longe, ninguém dava muito crédito a ela: magrinha e esguia, os amigos sempre brincavam que ela cabia em qualquer lugar. E acho que cabia mesmo!
Não podemos dizer que a travessia foi fácil. Não foi. Mas, juntos, eles conseguiram. E, só isso, já era muito. Também juntos eles puderam aprender a ler o “País de Origem” com novos olhos e descobrir que a “Próxima Nação” podia ser linda ou não: isso dependia mais deles próprios do que de qualquer outra pessoa. Lindo, mesmo, era o prazer de descobrir! E ele fez tudo valer a pena!
Criei essa pequena história, como uma metáfora para a minha viagem que, gentilmente, vocês se dispuseram a acompanhar. Com quantas pontes nos confrontamos ao longo da vida? São tantas, né? Às vezes as encaramos de forma tão complicada, quando tudo o que temos que fazer é atravessá-las, olhando pra frente e sempre buscando uma parceria entre o respeito, a coragem, o medo, o acerto, o erro e a gentileza. Talvez os seis não possam mesmo viver sozinhos. Coragem sem medo é inconsequência. Acerto sem erro é, provavelmente, estar sempre estagnado, repetindo as mesma coisas, sem poder ir pra frente e experimentar o delicioso sabor do que é novo. Viver e, principalmente, conviver, e não respeitar, é não ser capaz de se sensibilizar, de se emocionar, de se rever, de compartilhar. E a gentileza?... Tão simples, tão modesta, mas tão clara, tão generosa, tão maravilhosa…
Há dois meses, escrevi um post com o mesmo título que dei pra este: “De Malas Prontas”. Só que, agora, tenho uma bagagem mais pesada, não só de "bugigangas" (hehehehe), mas de tudo o que eu vi, senti, toquei, ouvi, aprendi. Por tudo isso, sou uma pessoa diferente também, modificada pela primeira tentativa bem sucedida de descobrir o que está do outro lado, além da velha ponte de madeira. Ponte que eu ainda quero atravessar muitas vezes.
A cada um dos que acompanharam essa minha pequena aventura, obrigada pelo carinho, interesse e disponibilidade. Que tal um comentário pra que eu possa guardar de lembrança?
Aos que estão no blog pela primeira vez, sejam bem vindos e voltem sempre!
Agora, meus amigos, tenho o prazer de dizer que estou voltando pra CASA!!!
Saudades, Brasil!!!
Saudades, Brasil!!!